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14 de dezembro de 2023Há pouco mais de uma década, a Marinha dos EUA iniciou um ambicioso projeto para revolucionar a guerra com canhões eléctricos – armas poderosas capazes de lançar projetis pesados mais longe e mais velozes do que nunca visto em armas convencionais propulsadas a pólvora. Na verdade, os engenheiros têm tentado criar um canhão elétrico para uso militar há mais de um século. No entanto, depois de investirem US$ 500 milhões em pesquisa e desenvolvimento ao longo de 15 anos, anunciaram que estão por mudar o seu foco para outras tecnologias de armas emergentes, como mísseis hipersônicos e armas de energia dirigida (laser, por exemplo), que hoje já têm uma implantação limitada em todo o mundo [1]. Apesar deste revés no que poderia ter sido um avanço revolucionário nas capacidades de armamento militar, permanece a esperança de mais investimentos futuros, principalmente por conta das ameaças chinesas na área.
Canhão eletromagnético da BAE Systems
O que é um canhão elétrico?
Um canhão elétrico é um tipo de arma que usa a força eletromagnética de Lorentz para impulsionar um projetil a velocidades superiores a Mach 8,8 (3 km/s), enquanto os projetis convencionais propelidos por pólvora em geral não ultrapassam 5,9 Mach (2 km/s). Como sua munição é menor que a de um projétil tradicional, mais cartuchos podem ser armazenados e não apresentam risco de explodir se forem atingidos por fogo inimigo, pois normalmente não contêm explosivos.
O canhão elétrico mais promissor trata-se de um motor homopolar, sem explosivos químicos, por isso depende da sua alta energia cinética para causar danos ao alvo. Esse canhão usa um par de condutores paralelos (trilhos), ao longo dos quais uma armadura deslizante (projetil) é acelerada pelos efeitos eletromagnéticos da força de uma corrente que flui de um trilho para o outro através da armadura (efeito de Lorentz). Baseia-se em princípios semelhantes aos do motor homopolar que deu origem aos motores rotativos que conhecemos atualmente [2], [3].
A partir de 2020, os canhões elétricos foram pesquisados como armas, para propelir principalmente munições penetrantes APFSDS (Armour-Piercing, Fin-Stabilized, Discarding-Sabot). Esses projetis tinham núcleos penetradores de haste longa feitos de liga de tungstênio ou urânio empobrecido. Eles podiam ser disparados com velocidades iniciais capazes de perfurar armaduras muito mais espessas do que todos os tipos anteriores de munição [4].
Os canhões elétricos são uma opção atraente, pois podem lançar projetis a longas distâncias, com incrível precisão e velocidade, e baixo custo. Para se ter uma idéia do custo, a munição de 155 mm, utilizada internacionalmente e também pelo Brasil, por exemplo, pode custar até 8 mil Euros por tiro [5]. Porém isso ainda é futuro, pois vários problemas tecnológicos ainda precisam ser resolvidos pelos engenheiros e cientistas, abrindo oportunidades de angariar recursos subsidiados para Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação.
Os problemas técnicos
A ideia de uma arma que utiliza força eletromagnética para impulsionar um projétil por longas distâncias tem sido um tema de interesse para militares de todo o mundo há mais de um século. No entanto, existem grandes dificuldades que devem ser superadas antes que os Railguns possam ser implantados no campo de batalha.
Um dos maiores desafios de projetar um canhão elétrico é garantir sua durabilidade. Até o momento, as demonstrações públicas não comprovam a capacidade de disparar vários tiros com potência total a partir do mesmo conjunto de trilhos. Embora a Marinha dos EUA tenha reivindicado centenas de tiros do mesmo conjunto de trilhos, não há nada publicado que confirme que se trata de tiros de potência total e que o canhão elétrico é capaz de disparar com precisão e segurança. Para ser viável para implantação, um canhão elétrico deve ser capaz de disparar 6 tiros por minuto com uma vida útil de cerca de 3.000 tiros, tolerando acelerações de lançamento de dezenas de milhares de “g” e pressões extremas e correntes da ordem de megaampére [1]. Gerar essa energia e armazená-la em um navio ou carro de combate também é um desafio.
Um outro aspecto crítico do uso de uma canhão elétrico real é o desenvolvimento de um sistema de orientação robusto para ser embarcado no projetil. Isso envolve projetar sistema que se ajuste às restrições de massa, diâmetro e volume do projetil e possa sobreviver a altos campos eletromagnéticos, temperaturas de superfície superiores a 800oC e formação de plasma no tubo-alma ou na saída do cano. O conjunto também deve ser resistente à radiação e consumir menos de 8 Watts de energia com bateria com duração de pelo menos 5 minutos. A meta é ter um custo de produção desse sistema de correção de orientação inferior a US$ 1.000 por unidade [1].
A General Atomics’ Electromagnetic Systems anunciou, em junho de 2015, que projetis com eletrônica embarcada resistiram ao ambiente de lançamento do canhão elétrico e executaram as funções pretendidas durante os testes no Dugway Proving Ground do Exército dos EUA, em Utah. A eletrônica embarcada foi capaz de medir as acelerações internas e a dinâmica dos projetis, com o link de dados embarcado continuando a operar mesmo depois dos projetis terem atingindo o solo do deserto, o que é essencial para uma orientação precisa [6].
Quais avanços são esperados para a tecnologia Railgun
Com os EUA abandonando a sua principal pesquisa sobre o Railgun, parece que a China irá assumir a dianteira nessa área. Na sua busca para construir um projeto mais prático e eficiente, os pesquisadores chineses têm experimentado vários métodos para melhorar a durabilidade e o desempenho do canhão elétrico. Um dos principais desafios enfrentados pela Marinha dos EUA foi o desgaste do tubo-alma. Para resolver esse problema, pesquisadores chineses testaram o uso de metal líquido como material de resfriamento para os trilhos. Este material altamente condutivo provou ser eficaz na redução do desgaste dos trilhos [1].
De acordo com relatos recentes, o protótipo do canhão elétrico chinês tem sido um sucesso, com a capacidade de lançar projetis a uma velocidade mais elevada e a um alcance mais longo do que a versão da Marinha dos EUA. Num teste, o protótipo foi capaz de lançar um projetíl além de Mach 7, atingindo um alvo localizado a 250 km de distância, embora ainda seja necessário determinar se foram capazes de superar as outras desvantagens da tecnologia [1].
A China anunciou, em 2028, a instalação de um protótipo de seu canhão elétrico em um navio Type 072 III, sinalizando o progresso de seu programa de arma eletromagnética [7].
Referências:
1. BornToEngeneer. “Everything You Need To Know About Railguns In 2023: The Weapon Powered By Electromagnetic Force”. Fev 2023. Disponível em: https://www.borntoengineer.com/electromagnetic-railgun-technology. Acessado em: 9 dez 2023.
2. WonderWorld. “US Navy Electromagnetic Railgun Cannon – Their Most Powerful Cannon”. YouTube. 11 mai 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=58MmOpSm4LY&t=87s. Acessado em: 9 dez 2023.
3. Doff, Adriano e Szmoski, Romeu M. “A descrição do funcionamento de um motor Homopolar linear e suas aplicações: Ilustrando o funcionamento de um acelerador de partículas”. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbef/a/VXW6TW3qwPFLFNKh3bf8CCd/?lang=pt. Acessado em: 9 dez 2023.
4. Ogorkiewicz, R. Marian. “Ammunition“. Enciclopédia Britânica. Disponível em: https://www.britannica.com/technology/tank-military-vehicle/Armament#ref521350. Acessado em: 9 dez 2023.
5. Niklolov, Boyko. “155 mm shells price is growing – $8.6 million for 1,000 units”. BulgarianMiritary.com. Disponível em: https://bulgarianmilitary.com/2023/10/25/155-mm-shells-price-is-growing-8-6-million-for-1000-units/#google_vignette. Acessado em: 9 dez 2023.
6. General Atomics. “General Atomics Railgun Projectile Development Passes Critical Tests at U.S. Army’s Dugway Proving Ground”. Disponível em: https://www.ga.com/general-atomics-railgun-projectile-development-passes-critical-tests-at-us-armys-dugway-proving-ground. Acessado em: 9 dez 2023.
7. People’s Daily Online. “Chinese warship reportedly equipped with electromagnetic railgun”. 5 fev 2018. Disponível em: http://en.people.cn/n3/2018/0205/c90000-9423875.html. Acessado em: 8 dez 2023.